Você sabe o que é um ultraprocessado?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs: doenças cardiovasculares, câncer, doenças respiratórias e diabetes) matam 41 milhões de pessoas a cada ano, o equivalente a 74% de todas as mortes no mundo.

Essas doenças resultam da combinação de fatores genéticos, fisiológicos, ambientais e comportamentais.

Aspectos modificáveis relacionados ao estilo de vida, como uso de tabaco, consumo excessivo de bebidas alcoólicas, inatividade física e hábitos alimentares inadequados aumentam consideravelmente o risco de DCNTs.

Evidências crescentes sugerem que o alto consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao aumento da ocorrência de excesso de peso e de DCNTs (Fiolet et al., 2018; Hall et al., 2019; Srour et al., 2019; 2020; Chen et al., 2023).

Os alimentos ultraprocessados são definidos dentro do sistema de classificação NOVA, criado em 2009 por pesquisadores do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Universidade de São Paulo e amplamente divulgado após a publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira. De acordo com essa classificação, os alimentos são agrupados conforme a extensão e a finalidade do processamento industrial em quatro grupos: in natura / minimamente processados, ingredientes culinários, alimentos processados e alimentos ultraprocessados (Brasil, 2014; Monteiro et al., 2019).

Em 2019, Monteiro e colaboradores publicaram um texto em uma revista científica para auxiliar no processo de identificação de ultraprocessados com base na verificação dos rótulos dos produtos. Segue abaixo um resumo desse guia.

Os alimentos ultraprocessados são formulações de ingredientes utilizados pela indústria de alimentos que contêm pouco ou nenhum alimento intacto (Monteiro et al., 2016). Portanto, uma maneira prática de identificar um produto ultraprocessado é verificar sua lista de ingredientes que irá conter pelo menos um item característico deste grupo:

  • Substâncias alimentares nunca ou raramente usadas na cozinha doméstica. Exemplos: variedades de açúcares (frutose, xarope de milho rico em frutose, “concentrados de suco de frutas”, açúcar invertido, maltodextrina, dextrose, lactose), óleos modificados (óleos hidrogenados ou interesterificados) e fontes de proteína (hidrolisados proteicos, isolado proteico de soja, glúten, caseína, proteína de soro de leite e “carne separada mecanicamente”).
  • Classes de aditivos feitos para tornar o produto final palatável ou mais atraente (“aditivos cosméticos”). São adicionados para imitar qualidades sensoriais de alimentos in natura ou minimamente processados ou de preparações culinárias desses alimentos, ou ainda para disfarçar qualidades sensoriais indesejáveis do produto final. Exemplos: saborizantes, realçadores de sabor, corantes, emulsificantes, sais de fusão, adoçantes, espessantes, e agentes antiespumantes, aglutinantes, carbonatantes, espumantes, gelificantes e de revestimento.
  • Aditivos utilizados para prolongar a validade do produto.

A definição completa e a lista de exemplos de cada um dos quatro grupos que compõem a classificação NOVA são fornecidos no material suplementar do guia publicado por Monteiro e colaboradores (2019), conforme sintetizado a seguir.

Convém salientar que os processos e ingredientes empregados na fabricação dos ultraprocessados são desenvolvidos para criar produtos altamente lucrativos, convenientes e hiper-palatáveis, capazes de substituir os outros grupos de alimentos da classificação NOVA que deveriam compor a base da alimentação (alimentos in natura e minimamente processados), contribuindo para o excesso de peso corporal e desenvolvimento de DCNTs. Ademais, suas formas de produção e distribuição favorecem desigualdades sociais e contribuem fortemente para a escassez de recursos naturais e a biodiversidade do planeta (Brasil, 2014; Monteiro et al., 2019).

Como identificar alimentos ultraprocessados

Diante da enorme variedade de alimentos e produtos disponíveis no mercado, pode parecer complicado categorizar determinado alimento de acordo com a classificação NOVA.

Alguns exemplos incluem pães, cereais matinais e iogurtes. Nesses casos, basta examinar a lista de ingredientes disponível no rótulo do produto.

Pães industrializados feitos apenas com farinha de trigo, água, sal e fermento são alimentos processados, enquanto aqueles que contêm emulsificantes ou corantes são ultraprocessados.

Cereais matinais a base de flocos de aveia ou milho e trigo triturado são alimentos minimamente processados, enquanto as versões que contêm açúcar são processados e aquelas com saborizantes, aromatizantes ou corantes são ultraprocessados (Monteiro et al., 2019).

Já os iogurtes são minimamente processados quando compostos apenas por leite e fermento lácteo, passando a processados se apresentarem adição de açúcar ou ultraprocessados quando contêm além do açúcar, ingredientes de uso industrial como amido modificado e proteína de soro de leite, além de aditivos diversos (aromatizantes, corantes, espessantes, estabilizantes, agentes de firmeza, conservadores, etc).

Caso tenha dúvidas, analise o rótulo do alimento da seguinte maneira:

Verifique se a lista de ingredientes contém pelo menos um item característico do grupo de alimentos ultraprocessados qualquer substância alimentar1 nunca ou raramente usada na cozinha ou aditivos cosméticos2 utilizados para tornar o produto palatável ou mais atraente.

1Estão presentes no início ou no meio das listas de ingredientes.

Exemplos: hidrolisados proteicos, isolado proteico de soja, glúten, caseína, proteína de soro de leite, “carne separada mecanicamente”, frutose, xarope de milho rico em frutose, “concentrado de suco de fruta”, açúcar invertido, maltodextrina, dextrose, lactose, fibra solúvel ou insolúvel, óleo hidrogenado ou interesterificado; e também outras fontes de proteínas, carboidratos ou gorduras que não são alimentos dos grupos 1 ou 3, nem ingredientes culinários do grupo 2.

2Estão no final das listas de ingredientes dos alimentos, juntamente com outros aditivos.

Exemplos: saborizantes, realçadores de sabor, corantes, emulsificantes, sais de fusão, adoçantes, espessantes, e agentes antiespumantes, aglutinantes, carbonatantes, espumantes, gelificantes e de revestimento, além de adoçantes como aspartame, ciclamato ou compostos derivados de estévia.

Exemplo de lista de ingredientes de um pão de forma ultraprocessado:

O Guia Alimentar para a População Brasileira baseia suas recomendações na classificação NOVA e traz como regra de ouro: “Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias a alimentos ultraprocessados”.

Convém salientar que os alimentos processados e os ingredientes culinários processados podem fazer parte de uma alimentação adequada e saudável, desde que consumidos com moderação em preparações culinárias ou refeições baseadas em alimentos in natura e minimamente processados, contribuindo para uma alimentação mais saborosa e diversificada.

No entanto, por todas as razões já mencionadas, os alimentos ultraprocessados devem ser fortemente evitados (Brasil, 2014).

QUADRO 1Grupos de alimentos não-ultraprocessados.

QUADRO 2 Grupo de produtos ultraprocessados.

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Referências

https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases (Acesso em 06/09/23).

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